Pacientes com diabetes melito e
hipertensão arterial terão direito a
receber alguns remédios de graça
no Brasil. Sem dúvida nenhuma, isso representa um grande avanço na
política de saúde do nosso país.
Coisa de Primeiro Mundo!
Mas, ao mesmo tempo, a nossa
Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) convoca uma consulta pública para, segundo ela,
proibir a comercialização de medicamentos contra a obesidade que
funcionam diminuindo o apetite.
Qual é a conexão entre as duas
notícias? Simplesmente que o grande fator para hipertensão arterial e
diabetes melito é o excesso de peso:
mais de 80% dos hipertensos e
mais de 90% dos indivíduos com
diabetes do tipo 2, aquele que em
geral aparece na idade adulta, e
que como regra não necessita de insulina, têm excesso de peso.
A que se deve essa incoerência
entre prestigiar os remédios contra
as consequências (hipertensão e
diabetes melito) e condenar os remédios que combatem as causas?
Basicamente, a meu ver, é o preconceito contra os obesos, contra
os remédios que podem tratá-los e
contra os médicos que os tratam.
Venho convivendo com pacientes com excesso de peso há mais de
40 anos. Quando me formei, em
1966, não tinha tido uma única aula
sobre obesidade. Só na década de
80 foi que, tendo ficando óbvio que
o crescimento da obesidade vinha
atingindo proporções epidêmicas,
o mundo científico passou a atentar
para a doença. Doença, sim!
Doença nas causas, pois é muito
mais que falta de força de vontade,
desleixo, falta de autoestima, etc., e
sim resultado de vários fatores, desde alterações químicas no cérebro a
defeitos no metabolismo energético, além de ser também causa de
outras doenças (enumerá-las
preencheria todo o texto...).
Não houve consideração com a
sibutramina, medicamento usado
há cerca de 15 anos, bastante útil
em aproximadamente 50% dos casos e contraindicada para cerca de
10% dos pacientes obesos (portadores de hipertensão arterial não
controlada, arritmia cardíaca, problemas coronarianos ou com história anterior de derrame cerebral.
Tudo está na bula do remédio!).
O medicamento foi afastado do
mercado na Europa e nos EUA. E,
repito, para a maioria das pessoas,
inclusive as que participam das
agências reguladoras, a obesidade
não é doença, é quadro psiquiátrico, não precisa de medicamentos e
o problema é resolvido simplesmente com dieta e atividade física.
Pura falácia!
No Hospital das Clínicas, onde
contamos com um ambulatório
pioneiro na América Latina, e no
qual foram ou vêm sendo atendidos
cerca de 10 mil pacientes, 90% deles tomam remédios. No geral, têm
melhora acentuada de quadros.
Para qualquer doença, de qualquer especialidade, a tolerância
com os remédios é muito maior. Por
quê? Porque essas doenças são
consideradas importantes. E obesidade, para boa parte das agências
reguladoras, não é. Ou é, mas não
necessita de medicamentos.
Enfim, militando há anos nessa área, sinto-me seguro em dizer que o
obeso é discriminado e vítima de preconceitos, e que isso tem que
mudar. Espero que o movimento intenso que todas as sociedades médicas
vêm fazendo contra essa tentativa de abolição da sibutramina e dos
anfetamínicos seja passo importante para essa mudança!
ALFREDO HALPERN é professor livre-docente de
endocrinologia da Faculdade de Medicina da USP.